Em meio a pandemia de coronavírus, muitas têm sido as mudanças relacionadas às relações sociais, objetivando o resguardo da saúde pública e o achatamento da curva de contágio. Nesse contexto, nossas relações têm ocorrido por meio virtual e, para as profissões que permitem o home office, as reuniões também se realizam pelo ambiente virtual e o trabalho se realiza de maneira remota.
Com o Poder Judiciário não foi diferente: a Resolução nº 313, de 19/03/2020, editada pelo Conselho Nacional de Justiça, estabeleceu a suspensão do trabalho presencial de magistrados, servidores, estagiários e colaboradores nas unidades judiciárias, de tal sorte que todos os trabalhos passaram a ser realizados de maneira remota.
Essa mesma Resolução, em seu artigo 3º, estabeleceu a suspensão do “atendimento presencial de partes, advogados e interessados”, o qual passou a ser realizado “remotamente pelos meios tecnológicos disponíveis”.
A partir disso, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo passou efetivamente a trabalhar de maneira remota. Em sua página oficial publicou a informação de que, no período entre 16/03/2020 até 12/04/2020, foram proferidas, no primeiro grau de jurisdição, 238.295 sentenças, efetuados 608.132 despachos e proferidas 948.446 decisões interlocutórias. Já em segundo grau de jurisdição, foram prolatados 55.507 acórdãos, proferidas 6.446 decisões monocráticas e efetuados 68.950 despachos.
Ainda, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por meio do Comunicado CG nº 284/2020, também passou a permitiu a realização de audiências virtuais, desde que haja prévia concordâncias das partes. Já o Provimento CSM-TJSP nº 2.549/2020, seguindo o estabelecido na Resolução do CNJ, determinou que o atendimento presencial das “partes, advogados, Ministério Público, Defensoria Pública e interessados” deverá “ser realizado remotamente pelo e-mail institucional da unidade judiciária, divulgando-se os respectivos endereços por ato próprio”.
Estes são exemplos das formas virtuais pelas quais o Poder Judiciário tem mantido o seu trabalho. É necessário, todavia, refletir se essas medidas, hoje excepcionais, serão mantidas com o final de nosso isolamento social. O acesso à justiça, previsto na Constituição Federal, será mantido de forma igualitária, caso os meios eletrônicos sejam utilizados como método tradicional de realização dos trabalhos? As prerrogativas dos advogados, previstas no estatuto da advocacia, serão mitigadas? Os direitos serão efetivamente resguardados? O ambiente virtual é o mais adequado para a efetivação da justiça social? Todas essas questões precisam ser avaliadas, antes de se instituir o trabalho remoto e o ambiente virtual como métodos tradicionais ou permanentes de trabalho do Poder Judiciário.
Com efeito, o artigo 7º, inciso VIII, do Estatuto da Advocacia, dispõe que é direito do advogado “dirigir-se diretamente aos magistrados nas salas e gabinetes de trabalho, independentemente de horário previamente marcado ou outra condição”. Em razão da instituição do trabalho remoto, enquanto perdurar a situação de calamidade pública no país, os advogados têm se dirigido aos juízes por meio de e-mail, objetivando explanar o caso e aquilo que se pretende. Contudo, parece-nos que essa é uma das medidas que não pode se tornar perene, violando prerrogativa da Advocacia.
Não se pode negar que a implantação de métodos eletrônicos para o desenvolvimento dos atos judiciais e do trabalho remoto trará economia nas despesas com luz, água, espaço, estacionamento, café e limpeza, por exemplo. Os servidores do Judiciário terão mais tempo de convivência com a família e economizarão nos gastos com transporte, alimentação, vestimentas e estacionamento. Um enorme ganho.
O certo é que muitas transformações estando sendo aceleradas pelas circunstâncias que atropelam todo o planeta e muitas delas vieram para ficar, resultando em significativa mudança na forma e no desempenho do trabalho realizado pelos operadores do Direito. A revolução tecnológica é uma realidade presente e todos precisam estar preparados para ela.
Contudo, entendemos que é preciso refletir com bastante profundidade sobre todas as questões aqui colocadas. Mesmo que muitas ferramentas que possibilitam o trabalho remoto se tornem definitivas, nada poderá substituir a interação humana e social quando se trata de movimentar um processo judicial e exercer a Advocacia. Afinal, não somos e nunca seremos simples robôs.